Irmãos
Grimm
Numa floresta
longínqua, viviam uma viúva e duas raparigas. Uma era a sua filha, Holena, e a
outra era a sua enteada, Marusha.
Holena era
feia e mimada, enquanto Marusha era bonita e tinha de desempenhar as tarefas
todas. Era ela quem ia ao poço, todas as madrugadas, buscar água, quem
esfregava e cozinhava, e quem fiava e tecia até ao anoitecer. À medida que as
raparigas iam ficando mais velhas, a reputação de Marusha como jovem bela e
trabalhadora ia crescendo, enquanto a reputação de Holena como moça indolente aumentava.
Em breve a viúva deu-se conta de que, a não ser que a enteada saísse de casa, ninguém
iria casar com a preguiçosa Holena. Num dia de inverno rigoroso, a madrasta
chamou Marusha e disse-lhe:
— A tua irmã
quer violetas. Vai buscar-lhe algumas.
Era sua
intenção que a enteada fosse devorada pelos lobos esfaimados que costumavam
errar pela floresta.
— Mas onde vou
eu encontrar violetas em pleno inverno? — exclamou Marusha, enquanto a
empurravam para fora de casa, envergando ela apenas um fino vestido.
A tremer,
devido ao vento agreste do norte, Marusha caminhou até ao cair da noite, cheia
de medo do uivar dos lobos, que pareciam aproximar-se cada vez mais. Estava
quase a desistir da busca, a deitar-se na neve e a adormecer para sempre,
quando se apercebeu do cintilar de uma luz no cimo da colina. Então, cambaleou
até à luz acolhedora na esperança de encontrar abrigo.
Contudo,
quando Marusha atingiu o cume da encosta, recuou espantada. A cena com que
deparou era diferente de tudo o que presenciara até então, e parecia uma
história dos tempos antigos.
Diante dela
ardia uma enorme fogueira. À volta, sentados em silêncio num círculo de doze
pedras, doze homens fitavam-na. Também eles não se pareciam com nenhum homem que
Marusha vira antes. Três eram idosos, com longas barbas brancas, e vestiam de
azul-escuro. Os três vestidos de púrpura eram de meia-idade e outros três
vestiam de escarlate. Os três mais jovens vestiam de branco e verde. Na pedra
maior de todas, estava sentado o mais velho de todos, com um bordão na mão.
Marusha
fez-lhe uma vénia respeitosa e pediu:
— Por favor, senhor,
será que posso aquecer-me junto da fogueira?
O velho
respondeu numa voz grave:
— Quem és tu,
minha filha, e porque caminhas pela floresta à hora a que os lobos vagueiam?
Marusha
falou-lhe das violetas e o velho disse:
— Vieste ter
ao lugar certo, pois somos os Doze Irmãos do ano. Eu sou Janeiro, chefe de
todos os outros. Não posso dar-te violetas, mas o meu irmão Março pode.
O velho
Janeiro levantou-se e cedeu o lugar a um dos jovens de branco e verde. Mal este
se sentou no lugar do chefe, a neve em torno deles derreteu. Despontaram,
então, árvores e violetas.
— Depressa,
leva-as contigo! — ordenou o jovem Março, com uma voz tão penetrante como o
vento.
A rapariga
colheu as violetas e, depois de lhe agradecer, correu de volta para casa.
A viúva olhou
incrédula, para as flores de cor púrpura que a enteada trazia nas mãos.
— Onde
encontraste violetas em Janeiro? — quis saber.
— Acolá, na
colina — respondeu a rapariga.
Uns dias mais
tarde, a viúva tentou um novo estratagema. Desta vez disse:
— A tua
meia-irmã precisa de morangos. Vai e não voltes sem eles!
E empurrou
Marusha para fora de casa, sem que esta tivesse os sapatos calçados. A madrasta
achava que, apesar de ter sido possível encontrar algumas violetas por entre a
neve, não haveria decerto morangos nenhuns.
E a rapariga
regressou para junto das figuras silenciosas que circundavam a fogueira na colina.
Os Doze Irmãos escutaram em silêncio o seu pedido e, de novo, o velho Janeiro
pediu a um irmão mais jovem que tomasse o seu lugar. Logo que Junho, vestido de
escarlate, se sentou no lugar do chefe, espalhou-se pela colina um Verão
glorioso. As abelhas começaram a zumbirem torno das flores brancas dos
morangueiros, que logo desabrocharam e originaram frutos maduros.
— Leva os que
quiseres — disse Junho, soltando uma gargalhada alegre.
Marusha colheu
os frutos e agradeceu a Junho a sua bondade. Quando regressou a casa, deu os
morangos a Holena, que os comeu avidamente.
— E, já agora,
onde encontraste estes? — perguntou a viúva, com o olhar desconfiado.
— Sob as árvores
do abrigo da montanha — foi tudo o que Marusha lhe respondeu.
Alguns dias
mais tarde, Holena pediu maçãs à mãe, que enviou a enteada em busca delas, sem
sequer um lenço para proteger-lhe a cabeça. O vento soprava ainda mais fortemente
e a neve estava cheia de cristais de gelo. À medida que caminhava com custo, Marusha
tentava não prestar atenção aos olhos brilhantes dos lobos por entre as árvores
escuras. Quando chegou ao topo da colina, pela terceira vez, pediu de novo
ajuda aos Doze Irmãos. E, de novo, Janeiro cedeu o seu lugar, desta vez ao
magnífico Setembro, vestido de púrpura. De repente, ei-los rodeados pelo
Outono. As folhas ficaram de cor laranja, amarela e vermelha, e uma macieira
carregou-se de frutos.
— Abana-a,
minha filha — encorajou-a Setembro, com um sorriso doce e uma voz madura.
Marusha abanou
a árvore e caíram duas maçãs perfeitas. Depois de agradecer a Setembro a sua
amabilidade, a rapariga levou as maçãs para casa. Holena engoliu as maçãs num
ápice e pediu mais, pois tinha as achado ainda mais deliciosas do que os morangos.
Enquanto a viúva pensava em novas formas de se livrar da enteada, Holena pediu
à mãe:
— Mãe,
empresta-me o teu melhor casaco de pele e as tuas luvas. Tenho a certeza de que
a Marusha guarda a maior parte da fruta para ela e quero ir procurar o seu
esconderijo.
Depois de
muito protestar, a viúva acabou por aceder ao desejo da filha. Holena embrulhou-se
no casaco de pele com capuz e saiu de casa. A arfar, e com o nariz vermelho do
frio, atingiu, por fim, o topo da colina. Sem sequer cumprimentar os Doze
Irmãos, ou pedir-lhes permissão, aproximou-se da fogueira para se aquecer.
O velho
Janeiro perguntou:
— Quem és tu,
minha filha, e o que queres de nós?
Holena sacudiu
a cabeça e respondeu:
— O que eu
quero não é da tua conta, velho tonto!
Janeiro, com a
barba branca cheia de gelo, levantou-se, zangado, e lançou um grito que mais
parecia o prolongamento dos ventos sibilantes do inverno. Holena caiu de costas,
aterrorizada. Mal o velho volteou o seu bordão em torno da cabeça da rapariga,
começaram a cair enormes flocos de neve. Holena fugiu do círculo de pedras e
foi em busca do lugar de onde viera. Mas os flocos tinham coberto as suas
pegadas e ela não conseguia encontrar o caminho. Enquanto fugia da raiva do
velho, a neve ia-se acumulando em seu redor. Acabou por cair num buraco fundo,
que a soterrou.
Em casa, a
viúva aguardava cada vez mais ansiosa, o regresso da filha. Vestiu o seu segundo
melhor casaco de pele, calçou as segundas melhores luvas, e foi em busca de Holena.
Como a fúria de Janeiro ainda não tinha abrandado, a tempestade de neve durou a
noite inteira e nunca mais ninguém viu a viúva ou a filha.
Marusha
continuou a ser diligente: fez o jantar, deu de comer à vaca e encheu o fuso de
linha. Quando a madrasta e a meia-irmã não voltaram à noite, foi à janela ver o
tempo: a neve tinha cessado e as estrelas cintilavam no céu limpo, no silêncio
da noite. Curiosamente, não sentia medo ou solidão, porque sabia que os Doze
Irmãos tomavam conta do ano.
Viveu sempre
com as bênçãos deles no seu coração e, quando se casou e foi mãe, ensinou os
filhos a ver cada mês como um tio, com diferentes prendas para oferecer, e a agradecer
sempre as graças próprias de cada estação do ano.
Caitlín Matthews; Helen Cann
Fireside Stories
Bath,
BarefootBooks, 2007
(Tradução
e adaptação)
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Em tempos
idos, pensava-se que cada um dos Doze Dias de Natal, de 26 de Dezembro a 6 de
Janeiro, funcionava como um prenúncio do que os doze meses do ano seguinte
viriam a ser. As pessoas analisavam o tempo meteorológico desses doze dias e faziam
previsões, jogos, trocavam histórias, e divertiam-se, com o intuito de que o
novo ano fosse benéfico.
Esta história
da República Checa recorda-nos que cada mês do ano é especial, e que o conjunto
dos doze meses formam o círculo, ou ano. A mudança das estações reflete o ciclo
da existência humana, começando pelo início da vida (solstício de inverno), e
passando pela infância (primavera), a idade adulta (verão), a maturidade
(outono), a velhice e a morte (de novo o inverno).
O destino das
duas irmãs da história recorda-nos também que uma vida que respeita a Natureza
contém as suas próprias recompensas, enquanto uma vida que a desrespeita pode acarretar
consequências desastrosas.
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