domingo, 13 de abril de 2008

A Bela e a Fera

Há muitos anos, em uma terra distante, viviam um mercador e suastrês filhas . A mais jovem era a mais linda e carinhosa, por issoera chamada de "BELA".Um dia, o pai teve de viajar para longe a negócios. Reuniu assuas filhas e disse:
— Não ficarei fora por muito tempo. Quando voltar trareipresentes. O que vocês querem? - As irmãs de Bela pedirampresentes caros, enquanto ela permanecia quieta.
O pai se voltou para ela, dizendo :
— E você, Bela, o que quer ganhar?
— Quero uma rosa, querido pai, porque neste país elas nãocrescem, respondeu Bela, abraçando-o forte.
O homem partiu, conclui os seus negócios, pôs-se na estrada paraa volta. Tanta era a vontade de abraçar as filhas, que viajou pormuito tempo sem descansar. Estava muito cansado e faminto, quando,a pouca distância de casa, foi surpreendido, em uma mata, porfuriosa tempestade, que lhe fez perder o caminho.Desesperado, começou a vagar em busca de uma pousada, quando, derepente, descobriu ao longe uma luz fraca. Com as forças que lherestavam dirigiu-se para aquela última esperança.Chegou a um magnífico palácio, o qual tinha o portão aberto eacolhedor. Bateu várias vezes, mas sem resposta. Então, decidiuentrar para esquentar-se e esperar os donos da casa. Ointerior,realmente, era suntuoso, ricamente iluminado e mobiliado demaneira esquisita.O velho mercador ficou defronte da lareira para enxugar-se epercebeu que havia uma mesa para uma pessoa, com comida quente evinho delicioso.Extenuado, sentou-se e começou a devorar tudo. Atraído depoispela luz que saía de um quarto vizinho, foi para lá, encontrou umagrande sala com uma cama acolhedora, onde o homem se esticou,adormecendo logo. De manhã, acordando, encontrou vestimentaslimpas e uma refeição muito farta. Repousado e satisfeito, o paide Bela saiu do palácio, perguntando-se espantado por que nãohavia encontrado nenhuma pessoa. Perto do portão viu uma roseiracom lindíssimas rosas e se lembrou da promessa feita a Bela. Paroue colheu a mais perfumada flor. Ouviu, então, atrás de si umrugido pavoroso e, voltando-se, viu um ser monstruoso que disse:
— É assim que pagas a minha hospitalidade, roubando asminhas rosas? Para castigar-te, sou obrigado a matar-te!
O mercador jogou-se de joelhos, suplicando-lhe para ao menosdeixá-lo ir abraçar pela última vez as filhas. A fera lhe propôs,então, uma troca: dentro de uma semana devia voltar ou ele ou umade suas filhas em seu lugar.Apavorado e infeliz, o homem retornou para casa, jogando-se aospés das filhas e perguntando-lhes o que devia fazer. Belaaproximou-se dele e lhe disse:
— Foi por minha causa que incorreste na ira do monstro. Éjusto que eu vá...
De nada valeram os protestos do pai, Bela estava decidida.Passados os sete dias, partiu para o misterioso destino.
Chegada à morada do monstro, encontrou tudo como lhe haviadescrito o pai e também não conseguiu encontrar alma viva.Pôs-se então a visitar o palácio e, qual não foi a sua surpresa,quando, chegando a uma extraordinária porta, leu ali a inscriçãocom caracteres dourados: "Apartamento de Bela".Entrou e se encontrou em uma grande ala do palácio, luminosa eesplêndida. Das janelas tinha uma encantadora vista do jardim.Na hora do almoço, sentiu bater e se aproximou temerosa da porta.Abriu-a com cautela e se encontrou ante de Fera. Amedrontada,retornou e fugiu através da salas. Alcançada a última, percebeuque fora seguida pelo monstro. Sentiu-se perdida e já ia implorarpiedade ao terrível ser, quando este, com um grunhido gentil esuplicante lhe disse:
— Sei que tenho um aspecto horrível e me desculpo ; mas nãosou mau e espero que a minha companhia, um dia, possa ser-teagradável. Para o momento, queria pedir-te, se podes, honrar-mecom tua presença no jantar.
Ainda apavorada, mas um pouco menos temerosa, bela consentiu e aofim da tarde compreendeu que a fera não era assim malvada.Passaram juntos muitas semanas e Bela cada dia se sentiaafeiçoada àquele estranho ser, que sabia revelar-se muito gentil,culto e educado.Uma tarde , a Fera levou Bela à parte e, timidamente, lhe disse:
— Desde quando estás aqui a minha vida mudou. Descobri queme apaixonei por ti. Bela, queres casar-te comigo?
A moça, pega de surpresa, não soube o que responder e, paraganhar tempo, disse:
— Para tomar uma decisão tão importante, quero pedirconselhos a meu pai que não vejo há muito tempo!
A Fera pensou um pouco, mas tanto era o amor que tinha por elaque, ao final, a deixou ir, fazendo-se prometer que após sete diasvoltaria.Quando o pai viu Bela voltar, não acreditou nos próprios olhos,pois a imaginava já devorada pelo monstro. Pulou-lhe ao pescoço ea cobriu de beijos. Depois começaram a contar-se tudo queacontecera e os dias passaram tão velozes que Bela não percebeuque já haviam transcorridos bem mais de sete.Uma noite, em sonhos, pensou ver a Fera morta perto da roseira.Lembrou-se da promessa e correu desesperadamente ao palácio.Perto da roseira encontrou a Fera que morria.Então, Bela a abraçou forte, dizendo:
— Oh! Eu te suplico: não morras! Acreditava ter por ti sóuma grande estima, mas como sofro, percebo que te amo.
Com aquelas palavras a Fera abriu os olhos e soltou um sorrisoradioso e diante de grande espanto de Bela começou atransformar-se em um esplêndido jovem, o qual a olhou comovido edisse:
— Um malvado encantamento me havia preso naquele corpomonstruoso. Somente fazendo uma moça apaixonar-se podia vencê-lo etu és a escolhida. Queres casar-te comigo agora?
Bela não fez repetir o pedido e a partir de então viveram felizese apaixonados.
Adaptado dos contos dos irmãos Grimm

quarta-feira, 9 de abril de 2008

Lenda: O Negrinho do Pastoreio

Naquele tempo os campos ainda eram abertos, não havia entre eles nem divisas nem cercas , somente nas volteadas se apanhava a gadaria xucra e os veados e as avestruzes corriam sem empecilhos…

Era uma vez um estancieiro, que tinha uma ponta de surrões cheio de onças e meias-doblas e mais muita prataria; porém era muito cauíla e muito mau, muito.

Não dava pousada a ninguém, não emprestava um cavalo a um andante; no inverno o fogo da sua casa não fazia brasas; as geadas e o minuano podiam entanguir gente, que a sua porta não se abria; no verão a sombra de seus umbus só abrigava os cachorros; e ninguém de fora bebia água das suas cacimbas.

Mas também quando tinha serviço na estância, ninguém vinha de vontade dar-lhe um ajuntório; e a campeirada folheira não gostava de conchavar-se com ele, porque o homem só dava para comer um churrasco de tourito magro, farinha grossa e erva caúna e nem um naco de fumo… e tudo, debaixo de tanta somiticaria e choradeira, que parecia que era o seu próprio couro que ele estava lonqueando…

Só para três viventes ele olhava nos olhos: era para o filho, menino cargoso como uma mosca, para um baio cobos-negros, que era o seu parelheiro de confiança, e para um escravo, pequeno ainda, muito bonitinho e preto como o carvão e a quem todos chamavam somente o Negrinho.

A este não deram padrinhos nem nome; por isso o Negrinho se dizia afilhado da Virgem, Senhora Nossa, que é a madrinha de quem não a tem.

Todas as madrugadas o Negrinho galopeava o parelheiro baio; depois conduzia os avios do chimarrão e à tarde sofria os maus tratos do menino, que o judiava e se ria.

Um dia, depois de muitas negaças, o estancieiro atou carreira com um seu vizinho. Este queria que a parada fosse para os pobres; o outro que não que não! Que a parada devia ser do dono do cavalo que ganhasse.

E trataram: o tiro era trinta quadras a parada, mil onças de ouro.

No dia aprazado, na cancha da carreira havia gente como em festa de santo grande.

Entre os dois parelheiros a gauchada não sabia se decidir, tão perfeito era o bem lançado cada um dos animais. Do baio era fama que quando corria, corria tanto, que o vento assobiava-lhe nas crinas; tanto, que só se ouvia o barulho, mas não se lhe viam as patas baterem no chão…

E do mouro era voz que quanto mais cancha, mais agüente, e que desde a largada ele ia ser como um laço que se arrebenta…

As parcerias abriram as guaiacas, e aí no mais já se apostavam aperos contra rebanhos e redomões contra lenços.

– Pelo baio! Luz e doble!

- Pelo mouro! Doble!

Os corredores fizeram as suas partidas à vontade e depois as obrigadas; e quando foi na última, fizeram ambos a sua senha e se convidaram.

E amagando o corpo, de rebenque no ar, largaram, os parelheiros meneando cascos, que parecia uma tormenta…

- Empate! Empate! - gritavam os aficionados ao longo da cancha por onde passava a parelha veloz, compassada como numa colhera.

– Valha-me a Virgem madrinha, Nossa Senhora! - gemia o Negrinho - Se o sete-léguas perde, o meu senhor me mata! Hip! Hip! Hip!…

E baixava o rebenque, cobrindo a marca do baio.

– Se o corta-vento ganhar é só para os pobres! – retrucava o outro corredor – Hip! Hip! Hip!

E cerrava as esporas no mouro.

Mas os fletes corriam, compassados como numa colhera.

Quando foi na última quadra, o mouro vinha arrematado e o baio vinha aos tirões… mas sempre juntos, sempre emparelhados.E a duas braças da raia, quase em cima do laço, o baio assentou de supetão, pôs-se em pé e fez uma cara-volta, de modo que deu ao mouro tempo mais que preciso para passar, ganhando de luz aberta!

E o Negrinho, de em pelo, agarrou-se como um ginetaço.

– Foi mau jogo! – gritava o estancieiro.– Mau jogo! – secundavam os outros da sua parceria.

A gauchada estava dividida no julgamento da carreira; mais de uma torena coçou o punho da adaga, mais de um desapresilhou a pistola, mais de um virou as esporas para o peito do pé…

Mas o juiz, que era um velho do tempo da guerra de Sepé-Tiaraiú, era um juiz macanudo, que já tinha visto muito mundo.
Abanando a cabeça branca sentenciou, para todos ouvirem:

- Foi na lei! A carreira é de parada morta; perdeu o cavalo baio, ganhou o cavalo mouro. Quem perdeu que pague. Eu perdi, cem gateadas; quem as ganhou venha buscá-las. Foi na lei!

Não havia o que alegar. Despeitado e furioso, o estancieiro pagou a parada, à vista de todos, atirando as mil onças de ouro sobre o poncho do seu contrário, estendido no chão.

E foi um alegrão por aqueles pagos, porque logo o ganhador mandou distribuir tambeiros e leiteiras, côvados de baeta e baguais e deu o resto, de mota, ao pobrerio.

Depois as carreiras seguiram com os changueritos que havia.

O estancieiro retirou-se para a sua casa e veio pensando, pensando, calado, em todo o caminho. A cara dele vinha lisa, mas o coração vinha corcoveando como touro de banhado laçado a meia espalda…

O trompaço das mil onças tinha-lhe arrebentado a alma.

E conforme apeou-se, da mesma vereda mandou amarrar o Negrinho pelos pulsos a um palanque e dar-lhe, dar-lhe uma surra de relho.

Na madrugada saiu com ele e quando chegou no alto da coxilha falou assim.

– Trinta quadras tinha a cancha da carreira que tu perdeste: trinta dias ficaras aqui pastoreando a minha tropilha de trinta tordilhos negros…

O baio fica de piquete na soga e tu ficarás de estaca!

O Negrinho começou a chorar, enquanto os cavalos iam pastando.Veio o sol, veio o vento, veio a chuva, veio a noite.

O Negrinho, varado de fome e já sem força nas mãos enleou a soga num pulso e deitou-se encostado a um cupim.

Vieram então as corujas e fizeram roda, voando, paradas no ar, e todas olhavam-no com os olhos reluzentes, amarelos na escuridão. E uma piou e todas piaram, como rindo-se dele, paradas no ar, sem barulho nas asas.

O Negrinho tremia, de medo… porém de repente, pensou na sua madrinha Nossa Senhora e sossegou e dormiu.

E dormiu.

Era já tarde da noite, iam passando as estrelas; o Cruzeiro apareceu, subiu e passou; passaram as Três Marias; a estrela d’alva subiu…

Então vieram os guaraxains ladrões e farejaram o Negrinho e cortaram a guasca da soga.

O baio sentindo-se solto rufou a galope, e toda a tropilha com ele, escaramuçando no escuro e desguaritando-se nas canhadas.

O tropel acordou o Negrinho; os guaraxains fugiram, dando berros de escárnio.

Os galos estavam cantando, mas nem o céu nem as barras do dia se enxergava: era a cerração que tapava tudo.

E assim o Negrinho perdeu o pastoreio. E chorou.

O menino maleva foi lá e veio dizer ao pai que os cavalos não estavam.

O estancieiro mandou outra vez amarrar o Negrinho pelos pulsos a um palanque e dar-lhe, dar-lhe uma surra de relho.

E quando era já noite fechada ordenou-lhe que fosse campear o perdido.

Rengueando, chorando e gemendo, o Negrinho pensou na sua madrinha Nossa Senhora e foi ao oratório da casa, tomou o coto de vela aceso em frente da imagem e saiu para o campo.

Por coxilhas e canhadas na beira dos lagões, nos paradeiros e nas restingas, por onde o Negrinho ia passando, a vela benta ia pingando cera no chão: e de cada pingo nascia uma nova luz, e já eram tantas que clareavam tudo.

O gado ficou deitado, os touros não escarvaram a terra e as manadas xucras não dispararam…

Quando os galos estavam cantando como na véspera, os cavalos relincharam todos juntos.

O Negrinho montou no baio e tocou por diante a tropilha, até a coxilha que o seu senhor lhe marcara.E assim o Negrinho achou o pastoreio. E se riu…Gemendo, gemendo, o Negrinho deitou-se encostado ao cupim e no mesmo instante apagaram-se as luzes todas; e sonhando com a Virgem, sua madrinha, o Negrinho dormiu.

E não apareceram nem as corujas agoureiras nem os guaraxains ladrões; porém pior do que os bichos maus, ao clarear o dia, veio o menino, filho do estancieiro e enxotou os cavalos, que se dispersaram, disparando campo fora, retouçando e desguaritando-se nas canhadas.

O tropel acordou o Negrinho e o menino maleva foi dizer ao seu pai que os cavalos não estavam lá…

E assim o Negrinho perdeu o pastoreio. E chorou…

O estancieiro mandou outra vez amarrar o Negrinnho pelos pulsos, a um palanque, e dar-lhe, dar-lhe uma surra de relho… dar-lhe até ele não mais chorar e bulir, com as carnes recortadas, o sangue vivo escorrendo do corpo…

O Negrinho chamou pela Virgem sua madrinha e Senhora Nossa, deu um suspiro triste, que chorou no ar como uma música, e pareceu que morreu…

E como já era de noite e para não gastar a enxada em fazer uma cova, o estancieiro mandou atirar o corpo do Negrinho na panela de um formigueiro, que era para as formigas devorarem-lhe a carne e o sangue e os ossos…

E assanhou bem as formigas; e quando elas, raivosas, cobriram todo o corpo do Negrinho e começaram a trincá-lo, é que então ele se foi embora, sem olhar para trás.

Nessa noite o estancieiro sonhou que ele era ele mesmo, mil vezes e que tinha mil filhos e mil negrinhos, mil cavalos baios e mil vezes onças de ouro… e que tudo isso cabia folgado dentro de um formigueiro pequeno…

Caiu a serenada silenciosa e molhou os pastos, as asas dos pássaros e a casca das frutas.

Passou a noite de Deus e veio a manhã e o sol encoberto.

E três dias houve cerração forte, e três noites o estancieiro teve o mesmo sonho.Então o senhor foi ao formigueiro, para ver o que restava do corpo do escravo.

Qual não foi o seu grande espanto, quando chegado perto, viu na boca do formigueiro o Negrinho de pé, com a pele lisa, perfeita, sacudindo de si as formigas que o cobriam ainda!…

O Negrinho, de pé e ali ao lado, o cavalo baio e ali junto a tropilha de trinta tordilhos… e fazendo-lhe frente, de guarda ao mesquinho, o estancieiro viu a madrinha dos que não a tem, viu a Virgem, Nossa Senhora, tão serena, pousada na terra, mas mostrando que estava no céu…

Quando tal viu, o senhor caiu de joelhos diante do escravo.E o Negrinho, sarado e risonho, pulando de em pelo e sem rédeas, no baio, chupou o beiço e tocou a tropilha a galope.

E assim, o Negrinho, pela última vez achou o pastoreio.

E não chorou e nem se riu.

Correu no vizindário a nova do fadário e da triste morte do Negrinho, devorado na panela do formigueiro.

Porém logo, de perto e de longe, de todos os rumos do vento, começaram a vir notícias de um caso que parecia um milagre novo…

E era, que os posteiros e os andantes, os que dormiam sob as palhas dos ranchos e os que dormiam na cama das macegas, os chasques que cortavam por atalhos e os tropeiros que vinham pelas estradas, mascates e carreteiros, todos davam notícia – da mesma hora – de ter visto passar, como levada em pastoreio, uma tropilha de tordilhos, tocada por um negrinho, gineteando de em pelo, em um cavalo baio!…

Então, muitos acenderam velas e rezaram o Padre Nosso pela alma do judiado.

Daí por diante, quando qualquer cristão perdia uma coisa, o que fosse, pela noite velha o Negrinho campeava e achava, mas só entregava a quem acendesse uma vela, cuja luz ele levava para pagar a do altar da sua madrinha, a Virgem, Nossa Senhora, que o remiu e salvou e deu-lhe uma tropilha, que ele conduz e pastoreia, sem ninguém ver.

Todos os anos durante três dias, o Negrinho desaparece: está metido em algum formigueiro grande, fazendo visita às formigas, suas amigas; a sua tropilha esparrama-se; e um aqui, outro por lá, os seus cavalos retouçam nas manadas das estâncias.

Mas ao nascer do sol do terceiro dia, o baio relincha perto do seu ginete: o Negrinho monta-o e vai fazer a sua recolhida: é quando nas estâncias acontece a disparada das cavalhadas e a gente olha, olha, e não vê ninguém, nem na ponta, nem na culatra.


Desde então e ainda hoje, conduzindo o seu pastoreio, o Negrinho, sarado e risonho, cruza os campos, corta os macegais, bandeia as restingas, desponta os banhados, vara os arroios, sobe as coxilhas e desce às canhadas.

O Negrinho anda sempre à procura dos objetos perdidos, pondo-os de jeito a serem achados pelos seus donos, quando estes acendem um coto de vela, cuja luz ele leva para o altar da Virgem Senhora Nossa, madrinha dos que não a tem.

Quem perder suas prendas no campo, guarde esperança: junto de algum moirão ou sob os ramos das árvores, acenda uma vela para o Negrinho do pastoreio e vá-lhe dizendo:

– Foi por aí que eu perdi… Foi por aí que eu perdi… Foi por aí que eu perdi!
Se ele não achar… ninguém mais.


No Estado do Rio Grande do Sul.
(LOPES NETO, Simões.contos e lendas)